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'Na hora errada', alerta colunista e advogado piripiriense sobre justiça liberar violação dos direitos humanos na redação do ENEM

George Magno alerta sobre o avanço do discurso do ódio e todas as suas implicações

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Por George Magno, piripiriense (por meio de título de cidadania), advogado, ex-presidente da subseção da OAB Piripiri, titular da coluna CONTRA O MÉTODO, no site Piripiri Repórter

No ano de 1989, a literatura cinematográfica nos premiou com uma de suas maiores obras, qual seja o filme SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS!A narrativa trata do dia-a-dia de uma escola preparatória para jovens em internato bem conceituada da Inglaterra, no final dos anos 50, marcada pela excelência e tradicionalismo das escolas da época.

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Aqui um primeiro adendo: fiquemos atentos para os internatos da atualidade, que privam os pais da convivência com seus filhos tornando-lhes pessoas estranhas, afinal, a ficção/realidade evidencia ali os efeitos de tal escolha.

E por que agora trazer à tona a supracitada obra, mesmo após quase 30 anos de sua produção? O lema da conceituada escola focalizado no filme nos remete para temas e expressões como disciplina, tradição e honra.

E não se trata de associar os referidos vocábulos às forças de extrema direita e seus ismos intrinsecamente a elas ligados. Embora qualquer semelhança não seja mera coincidência!

Estamos próximos da realização das provas do ENEM, metodologia usada pelo Ministério da Educação para selecionar o ingresso de jovens, em sua grande maioria, nas universidades de nosso país.
Nesse paradigma adotado em nossa sociedade e em muitas outras do mundo ocidental com algumas variações, dezenas de milhares de jovens ingressam em centros acadêmicos produzindo e desenvolvendo conhecimento.

A prova de redação no modelo ora ocorrido aparece como uma das grandes vilãs do referido certame que seleciona os mais aptos a ingressarem nos cursos superiores almejados, dentro de uma sistemática consagrada e aprovada por todos nós.

O papel de vilão atribuído àquela, poderíamos argumentar, é injusto, uma vez que qualquer forma de literatura é sempre libertadora! E o filme supracitado revela uma real demonstração disso. Não se pode olvidar que em SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS um professor de LITERATURA ajuda jovens estudantes a se descobrirem por meio da poesia!

Todavia, o papel libertador da literatura não será vivenciado na prova de redação do ENEM deste ano. Em recente decisão, o TRF da 1ª Região resolvera tornar sem efeito o item 14.9.4 do edital do exame do ENEM que atribui nota zero, sem correção de seu conteúdo, à prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos.

Naquele mesmo julgamento, fora defendido que o conteúdo ideológico do desenvolvimento do tema da redação “não deveria ser fundamento sumário para sua desconsideração, com atribuição de nota zero ao texto produzido, sem avaliação alguma em relação ao conteúdo intelectual desenvolvido pelo redator”.

Não se torna necessário um argumento legal extensivo contrário ao julgamento proferido pelo TRF da 1ª Região, haja vista ser aquele evidente na perspectiva de um conceito transdisciplinar/axiológico do Direito, enquanto Ciência e experiência social.

Cumpre salientar que o edital é norma regulamentadora de qualquer concurso, sendo vedado ao Judiciário interferir em critérios de correção de provas sob pena de substituir o papel da Banca Examinadora, consoante entendimento de nossos Tribunais Superiores. A regra acima exposta poderia até ser quebrada em casos de manifesta ilegalidade do certame o que não acontecera no caso concreto.

Mesmo porque a Cartilha do Participante do certame-redação do Enem 2017, divulgada pelo INEP expressa, de forma clara, quais ações e expressões serão sempre avaliadas como contrárias aos direitos humanos (defesa de tortura, mutilação, execução sumária, e qualquer forma de justiça com as próprias mãos, entre outras).
Ademais, há em um conflito aparente de normas constitucionais: liberdade de manifestação e direitos humanos a preferência por este último.

Cumpre lembrar que nosso país é signatário dos Tratados e Acordos Internacionais que elevam os direitos humanos (promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; repúdio ao terrorismo e racismo) ao mais alto patamar do seu exercício em sua plenitude, não podendo sofrer restrições, salvo se conflitar com interesse mais protegido, o que não ocorre no caso em tela.

Entretanto, se já não bastassem tais argumentos para repudiar a decisão que excluiu do edital da prova de redação do ENEM o item que proibia manifestações atentatórias aos direitos humanos, mister nos preocuparmos com o reflexo da mesma em nossa realidade atual.

Vivemos em um momento de total desesperança sobre um futuro que nunca foi tão pertencente somente às forças divinas (O FUTURO A DEUS PERTENCE!) Neste contexto, o avanço do discurso do ódio e todas as suas implicações limitam nossas tolerâncias ao diferente/outro e afloram sentimentos egoístas potencializados por pseudos salvadores da pátria que nos “agraciam” com discursos enganosos em instante de desespero.

A liberdade, outrora erigida como condição sined qua non para nossa existência e sem a qual não podemos exercer outros direitos que levamos dezenas de décadas para formamos no inconsciente social, está na iminência de ser substituída pelas expressões acima, tais como: honra, tradição, ordem e progresso.

Nesse diapasão de incertezas, decisões como esta acima questionada, que penetra em uma das formas mais pungentes de liberdade, qual seja, a literatura, para cerceá-la só reforça o avanço das forças que defendem os “ismos” com todas as suas consequências (racismo, fascismo, tortura, misoginia, homofobia), enfim, tudo o que contraria os direitos da dignidade humana.

Num último momento de análise, e atendendo sempre à intenção desse espaço em oferecer outra versão dos fatos (CONTRA O MÉTODO) seria preferível acreditar que, em um contexto de iminente tragédia, a poesia (literatura) retratada e defendida em SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, a qual faz surgir a verdadeira liberdade, aquela que alimenta nossos sonhos e esperanças em um mundo realmente mais justo, possa servir como incentivo àqueles jovens, últimos paladinos da esperança (segundo Morin), em momento futuro de seu crescimento psicológico, a se tornarem os nossos heróis na clandestinidade. De preferência à margem, para sua própria proteção (todo herói tem um vilão que deseja seu fim), como os grandes contribuintes de uma sociedade melhor se mostraram no decurso de nossa existência!